RODRIGUES, Írio. Inéditos. Rio Grande: [manuscrito], 2006.

OS NOVOS CAINS



Veja irmão:
Quanta ingratidão.
Da vida até ladrão
Existe para  roubá-la
Esquecem que é um Dom Divino
Quem mata vira assassino
E um dia irá pagar.

Será réu, não tem perdão,
Vai direto prá prisão.
Porque um crime praticou
E mais tarde a lei condena
Vai Ter que cumprir a pena,
Porque o juiz o sentenciou .

Isso nos lembra Caim
Que um dia matou Abel.
E hoje noutro papel
O mesmo, Caim, voltou pra matar.
Ó! , como é triste saber que Caim existe.
Que apenas se disfarçou,
Só trocou a fantasia
É o mesmo Caim que um dia
Seu próprio irmão matou.

Sei, dirás, não acredito
Na Bíblia está escrito
Que isto tudo aconteceu
A milênios já passados
Quando Deus havia criado
O Caim que já morreu .

Ele reencarnou, e então
Se multiplicou no mundo
Com o mesmo rancor profundo
E o ódio no coração
Era  mau e ambicioneiro,
Invejoso e cruel
Por isso matou Abel,
Seu irmão, a traição.

Hoje o mundo é mais triste,
Milhões de Cains existem
A matar os seus irmãos.
Ele atravessou no tempo,.
Morreu mas ressuscitou
A espalhar o sofrimento
Na terra desde que chegou.

Eu não sei por qual razão
Várias cópias do Caim
Andam aí na multidão
Com sua maldade sem fim.
E é por isso que a maldade
Tomou conta deste mundo,
Vieram em grandes quantidades
Novos Cains, dele oriundos

A vida é um dom sagrado
Infeliz do irmão que mata,
Quem comete este pecado
Da lei de Deus se esqueceu.
Desdita, triste, ingrata
Que o destino escreveu.


 

AS MARAVILHAS DO MUNDO


As maravilhas do mundo
É o sol e as estrelas

Numa noite de luar.
Olhos no céu, e iras vê-las
No infinito a brilhar.

É a cascata e a fonte
De água pura, cristalina,
É o frescor da chuva fina
Numa tarde de verão.

É o canto dos passarinhos
revoando no horizonte .
É as florestas, os montes,
As obras da criação.

É o mar bravio ou sereno.
É o canto do marulhar,
Das ondas quando estamos
A beira mar, a sonhar.

É a lua cor de prata
numa noite de verão,
Convidando ‘a serenata
A Deus numa oração.

É a vida desfeita em rosas
No cenário de um jardim,
São coisa maravilhosas
Que Deus nos doou por fim.




                                             MINHA MÃE É QUEM DIZIA.


Minha mãe é quem dizia:
“Creio que tinha razão,
São os olhos de Maria
Negros como a escuridão”.

Se de negro fores chamado
Responde com alegria;
“São os olhos imaculados
Da Santa Virgem Maria”.

O negro quando se presa
Sente orgulho de sua cor,
A noite se ajoelha e reza
Agradecendo ao Senhor.

Ser negro é graça divina
Não renegue sua cor
Nem digas; “Que triste sina,
Pois foi obra do Senhor.

Numa noite, inspirado,
Deus criou a nossa cor
Pra mim, o maior pecado
É não se dar valor.

Por tanto, não se apoquente
Deixa a branquela falar
Que o negro não é gente,
Nós devemos perdoar.

Dando a mão ao branco amigo
Tratando-o com afeição,
Ser negro, não é um castigo,
Vocês  vão me dar razão.

Eu sou negro e sinto orgulho,
Sei honrar a minha cor,
Vamos todos para o entulho
A morte não escolhe a cor.

Sei que sou negro também
Mas a mim pouco me importa,
Branco e negro no além
Entrarão na mesma porta.

De Cristo somos irmãos,
Filhos do mesmo pai.
De que vale a pretensão
Se todos somos iguais.

Minha mãe é quem dizia,
Respeito sua opinião.
“Branco, negro , a pretoria,
No fundo é tudo irmão”.




                                              A SERVIÇO DO SENHOR


Eu sou um missionário do Senhor.
Vos trago uma mensagem redentora,
Que fala de fraternidade e amor
A esta humanidade sofredora.

Devem escutar este chamado,
Que emana do céu, vem por Jesus,
Que quer redimir-nos do pecado
Banhando nossas almas com sua luz.

Escutai, as trombetas estão tocando.
São anjos celestiais a nos chamar
Nos quatro cantos do mundo
Para vivermos em amor e nos salvar. 



                                                 AS RUAS DO DESAMOR


E continua a fome de nossa gente
E até disputa por restos de comida,
Entre os mendigos que andam aí diariamente
A remexerem nas lixeiras, os Tristes Vidas.

A sociedade está cega, meu irmão.
Não sente dó ao ver um ente na calçada
Feito um cachorro a  dormir ali no chão.
Finge não ver mais uma alma abandonada.

Quanta tristezas pelas ruas, pelas praças
Gente dormindo em cama de papelão.
Loucos de frio, de fome, que desgraça,
No dia a dia do mundo da ingratidão.

E andam aí estes pobres indigentes,
Sem esperanças, sem um lar, sem ter ninguém
Que os conforte, pois não passam de carentes,
E a sociedade ainda os trata com desdém.

E até quando andarão por esta vida
Os desgraçados da vereda do amargor,
Perambulando de esperanças já perdidas
Nas ruas tristes do mundo do desamor.
 



                                                           SONHEI


Sonhei que eu tinha morrido
Correu notícias no radio e no jornal
“Poeta Pobre morre enfraquecido
Louco de fome e de tanto passar mal”.

Ouvi dizer que ele morreu, mas quem diria!
O pobre diabo não juntou nem um tostão,
Passou a vida escrevendo  poesias,
E não ganhou nem pra comprar o seu caixão.

O falatório na cidade, que alarido!
Que confusão, ninguém sabe o que fazer.
Como mandar aos pés juntos, o falecido
Vestido em trapos, o que é que vão dizer?

Talvez se Pedro ainda estiver na portaria,
Não diga nada, vá mandando ele entrar
Para escutar suas belas poesias
Plenas de amor, lá no céu, hão de brilhar.

Fizeram listas, arrecadaram alguns trocados
Para comprarem as flores e o caixão.
Poeta Pobre vai ser homenageado
Por seus amigos que choravam de emoção.

Quando o féretro ia sair, que choradeira.
Meu Deus do céu, como isso aconteceu.
Nosso poeta que sonhou a vida inteira
Não teve nada, na miséria ele morreu.

Na confusão me acordei,
Na realidade, até me senti feliz,
Ao invés de pobre eu era rico de amizades
Mais de um milhão de amigos aqui fiz.
 


 

 AINDA A CAMINHO


Ainda a caminho
Deixarei prostrado
O meu olhar
Sobre aquela rosa
Fresca e perfumada
Desposada por um colibri
Em seu passeio matinal
No cenário artístico
De um jardim.

E no bailado atônito
De seu vôo
A graça delicada
De seu beijo
A sugar o néctar
Saboroso de suas pétalas
Cor de algodão.
E eu! Eu morrendo de ciúmes
Daquele pássaro
Frágil e pomposo
Impecável em sua vestimenta
Cor de mar.

Indiferente ao meu ciúme
Ali a frente dos meus olhos
Num clima primaveril
Ele a conquistou
Com toda aquela sua majestade.
Sim! Dominou-a e a possuiu.
Possuiu a rosa, a branca rosa
Dos meus sonhos.

Hoje dormirei
Abraçado com minha tristura
Sem o amanhã me despertar
E sonharei que sou aquele colibri
Que possuiu a rosa,
A branca rosa, aquela dos meus sonhos,
Naquele jardim em flor
Onde as cigarras e as borboletas
Ensaiavam um bailado
De rara beleza
Nas cores infinitas do arco-íris.

Nas praças
E nos lugares por onde hoje ando
Hão de ficar vestígios
Dos meus passos na areia
Onde ainda ontem pisei
E nas veredas uma imagem pálida e fugidia de meu ser
Justificando a minha passagem por este mundo.

Não vos esqueçais!
Estarei sempre divagando por aí
E alguns ouvirão
O eco do meu rir,
Sentirão meu lamento,
Nas lágrimas amarguradas
Que de quando em quando
Assaltam o meu ser enclausurado
Na mais triste solidão.

Sumirei!
Mas sobrará de mim
Um resto de nostalgia
Na virada daquela esquina
Que tantas vezes me viu passar
Com minha bolsa debaixo  do braço
Carregada de esperanças
À caminho, talvez do nada.

 


 

O MENSAGEIRO

 

Quando ao final da existência
O Poeta  Pobre velho, já cansado

Das lutas diárias de suas experiências
Morre sem um alento, desolado.

Passou a vida inteira na esperança
De alcançar a glória neste mundo
A sonhar com os dias de bonança
Que nunca desfrutou nenhum segundo.

Mas agradece a Deus por ter vivido
Plantando a sementeira do amor
Embora pelo mundo esquecido
Foi mensageiro a serviço do Senhor.

E para compensar o sofrimento
De um triste poeta sonhador
Um dia habitará no firmamento
Aos pés de Deus, onde tudo é esplendor.